domingo, 10 de fevereiro de 2013

A Espanha é aqui

No ano passado houve uma polêmica gigantesca sobre a questão das cotas televisivas, e a ruptura da maioria dos clubes do Brasil com o (falecido) Clube dos 13. Muitas pessoas argumentavam que, de acordo com a divisão nem tão igual assim, o futebol brasileiro sofreria uma “espanholização”, aonde, teoricamente, 2 clubes – Corinthians e Flamengo – iriam se distanciar dos demais por ganharem mais grana da televisão, fruto do fato de ambos os clubes serem os de maior torcida no território nacional. Aqui no Rio Grande do Sul foi onde se deu uma das maiores “choradeiras” em relação a isto, logo aqui, onde temos o maior “teto de vidro” do Brasil...

Nos últimos 40 anos, apenas 2, sim, DOIS clubes que não fossem Grêmio e Internacional conseguiram ganhar o Campeonato Gaúcho, o Juventude, em 1998, e o Caxias, em 2000. O Alviverde caxiense, aliás, foi campeão da Copa do Brasil em 1999, e se manteve mais de 10 anos consecutivos na Série A do Brasileirão, enquanto o Grená quase subiu para a elite nacional em 2001 (em decisão pra lá de discutível, diga-se de passagem). Desde 1973, em apenas 15 anos os 2 primeiros colocados no Gauchão não foram Grêmio e Inter, ainda que, se formos pegar os modelos com finais, em apenas 7 oportunidades nos últimos 20 anos o campeonato foi decidido em Gre-Nal. Somente no ano passado 2 clubes do Interior decidiram um turno de Gauchão; na oportunidade o Caxias venceu o Novo Hamburgo.

Não consigo comparar por nomes de clubes com a Espanha, ou algo assim, mas vejo que o temor de alguns torcedores ao longo do Brasil já é uma realidade há décadas aqui no Rio Grande do Sul. Hoje ela é mais escancarada, com a Federação dando prioridade total aos clubes de Porto Alegre (os 2 que “importam”, claro), e deixando de lado o futebol do Interior, que mal tem um representante na Série C do futebol nacional, e os 2 “garantidos” (pelas vagas reservadas pela CBF) na Série D. Já existe pouco incentivo para os clubes crescerem no âmbito estadual, para esse desenvolvimento no âmbito nacional ele é praticamente inexistente. Nem ao menos ajuda política, como apontam o supracitado caso do Caxias, em 2001, e do Brasil de Pelotas, no ano passado. Se depender da FGF, Grêmio e Internacional se tornarão 2 dos maiores clubes do mundo, enquanto teremos apenas os tais “2 garantidos” na Série D do Brasil – para eles me parece excelente esta hipótese.

Ironicamente, acabei simpatizando com o clube do “chefe”, e que também não parece ganhar muita atenção do seu dono – a rede de lojas de itens musicais deve dar bem mais lucro que um clube de futebol. Aqui mesmo, no Vida Cancheira, acompanhamos alguns jogos do Esporte Clube São José, pelo Gauchão do ano passado, e minha presença no Passo d’Areia, que era eventual, vem se tornando freqüente. Em 2013 assisti a mais jogos do São José do que do próprio Grêmio, clube do qual sou sócio há quase 3 anos. E no final da tarde do sábado eu estava no primeiro e maior estádio com grama sintética do Brasil para mais um jogo do nosso Estadual. O Zequinha, chamado de “o mais simpático do Rio Grande”, é também o mais forte deste ano, enquanto líder de seu grupo, maior pontuador no geral, e único clube do Estado a levantar taça em 2013. Tudo bem, foi um torneio amistoso, a Copa Centenário, mas marcou a quebra de um período de 42 (!) anos sem ganhar sequer campeonato de par-ou-ímpar.

O jogo de ontem foi contra o Cerâmica, clube de Gravataí, cujo estádio fica a 20 minutos da minha casa, ainda mais próximo que o Passo d’Areia – o Vieirão é mais uma cancha que certamente visitarei neste Gauchão. Normalmente o público na cancha do São José se concentra nas sociais, onde normalmente me posiciono, e atrás da goleira da direita, a única que tem arquibancadas e onde fica a barra do Zequinha, Os Farrapos, que costumam fazer um barulho bacana, apesar de serem pouco mais de uma dúzia por jogo. Do outro lado, nem uma alma sequer, nem para resgatar uma eventual bola que seja chutada para aquele setor. Assim como no domingo passado, havia um contingente interessante de torcedores adversários – na outra oportunidade era uma galera muito animada que veio de Passo Fundo –, com trapos e quase todos com camisas do Cerâmica, coisa não muito comum nas arquibancadas do São José, de quem a grande maioria é apenas simpatizante. Afinal, não era o clube “mais simpático do Rio Grande”?

Entre os 2 jogos, contra Passo Fundo e Cerâmica, estive nas arquibancadas do velho Olímpico Monumental, para assistir à estreia dos titulares gremistas no certame, contra o até então invicto e INVIOLADO São José. Naquela tarde/noite ficou ainda mais nítido que, se a dupla Gre-Nal levar a sério o campeonato, dificilmente será vencida. Muitas vezes vemos o Campeonato Espanhol com Real Madrid e Barcelona abrindo dezenas de pontos de vantagem sobre os demais, com menos de 5 (!) derrotas ao longo de uma liga com 34 jogos, e isto só não acontece aqui, porque muitas vezes os “grandes” da Capital ignoram o “charmoso” Gauchão, como diria um famoso locutor da Província. Quando jogam às ganhas, placares como o 5-1 do Grêmio sobre o São José e o 3-0 do Inter em cima do Pelotas (fora o baile) se tornam comuns, e algo diferente disto, como na estreia dos titulares colorados, no empate sem gols contra o Novo Hamburgo, é considerado uma zebra.

O que acontece hoje aqui no Rio Grande do Sul, é uma amostra do que muitos pensam que pode acontecer no Brasil em um médio-prazo. São 12 campeonatos sem que Inter ou Grêmio seja o campeão, e infelizmente isto não é um absurdo. Como eu dizia anteriormente, não existe qualquer incentivo para os clubes do Interior, nadinha de nada. Sei lá, eu não consigo mensurar quantos torcedores haviam neste último jogo, e não sei se chegou ao milhar a quantidade de gente nos jogos contra Passo Fundo e Cerâmica. Isto é uma tendência na grande maioria dos clubes do Interior, e em todos da Região Metropolitana, onde é difícil encontrar alguém que seja torcedor apenas de Novo Hamburgo, Aimoré, Cruzeiro, entre outros. Caxias do Sul e Pelotas são locais de resistência, onde existem torcidas fortes e presentes às canchas destas cidades.

Eu defendo que a dupla Gre-Nal deveria ser retirada do Gauchão. O torneio não se tornará menos atrativo sem Grêmio e Inter, visto os públicos ridículos que eles levam aos seus estádios, e cada vez menos pessoas vão os ver nos campos do Interior. A cota televisiva da dupla poderia ser dividida entre os demais clubes, que fariam reforços nos seus elencos, ainda teriam seus jogos televisionados, e a chance real de título – que, convenhamos, hoje em dia é inócua – atrairia mais adeptos aos estádios. Dinheiro chama dinheiro: com maior grana da TV, os times seriam melhores, angariariam mais renda nos estádios, e as premiações por títulos acabariam tornando o crescimento dos clubes uma coisa natural. Não vou me aprofundar, mas é só pegar o exemplo de Santa Catarina, onde até ontem a Chapecoense não era nada, e uma sequência de bons Estaduais a catapultou à Série B do Brasileirão.

Para não dizer que não falei das flores, o jogo entre São José e Cerâmica foi um desastre. Não tivemos mais de 5 lances dignos de nota, e a única ocorrência foi a expulsão do bom volante e capitão do Zequinha Willian Paulista. Aliás, Willian estava jogando com a camisa 100, por alguma razão que não sei explicar, se pelo centenário do clube, ou pelo nº de jogos (o que acho improvável). O jogo foi tão bom, que fiquei o 2º tempo inteiro conversando com um senhor de 81 anos chamado Cândido, aposentado do Exército de um forte sotaque carioca, que me contou ter jogado em clubes como Flamengo e Botafogo entre 1948 e 1954, além de ter histórias sensacionais da sua carreira na Marinha. Espero encontrá-lo mais vezes no, assim como ele, seu Cândido, simpático Passo d’Areia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário